quinta-feira, setembro 17, 2009

Tudo de novo - como se fosse pela primeira vez!


Texto para o Jornal Bahia Hoje


Há um desassossego com o corriqueiro que é próprio de uma sociedade hedonista, imediatista e irrefletida. “Sair da rotina” é uma expressão que por si só, já é carregada de uma inautêntica positividade. É como se o novo e o inusitado equivalessem necessariamente ao bom. O efeito colateral é bem mais preocupante: aprofunda ainda mais a nossa insatisfação, pois como bem afirma um texto Escriturístico, “... nada há de novo debaixo do sol (Ec 1.9)”. O fato é: a vida, não atende a demanda de novidades que dela exigimos. Vamos com calma.

1. A vida é predominantemente corriqueira: Há alguma coisa de que se possa dizer: Vê, isto é novo?(Ec 1.10). C. S. Lewis, em sua obra Reflections on the Psalms, escreveu:Exclamamos: ‘Como ele cresceu! O tempo voa!’, como se a forma universal de nossa experiência fosse sempre uma novidade.”

2. Notem com atenção especial a forma como o novo/novidade é ostentado nos discursos hodiernos. É fácil notar como expressões como “velho” e “repetitivo” tornaram-se predominantemente pejorativas. E, não raro, ausência de abundantes novidades é sinônimo de tédio, sem sabor. Pelo lado oposto, sabor é proporcional a intensidade da adrenalina e a diversidade de surpresas que se tem.

3. Logo, ‘aplicando’ Nietzsche, esse nosso trato com o novo é mesmo uma infidelidade à vida – como ela é. E mais: arma-se uma tragédia cíclica: “busca-se porque não se tem. Não se tem pra se achar. Está-se sempre a buscar”. Buscamos muito, desfrutamos nada. Sabemos “ir para”, não sabemos “chegar em”: estamos sempre a caminho. A nossa atenção para o novo tem sido o nosso descaso com o “sempre lá”. Ficamos sempre ansiosos antes de um encontro de romance, mas já não mais olhamos nos olhos! O antes tem prevalecido pelo durante. O amanhã será sempre melhor que o hoje. Alguém já disse que o bom da festa é o esperar por ela.

A solução é dialética. Por um lado, deve-se identificar e libertar-se dessa neurose. Viver a saúde do real, respeitando o caráter extra-comum do novo. Afinal, não é a surpresa, de fato uma surpresa, apenas pelo seu caráter excepcional? Por outro lado, devemos nos atentar para a natureza do novo – que é subjetiva, interior. Não é a natureza das coisas que precisa mudar. Adélia Prado escreveu: “Deus de vez em quando me tira a poesia. Olho para uma pedra e vejo uma pedra”. Muda-se todas as coisas mudando apenas o olhar.

“Não há nada de novo”, contudo diz o mesmo autor: “o que foi, isso é o que há de ser” - as coisas retornam ao seu início. A humanidade reaprende a andar quando cada criança dá o seu primeiro passo. Tudo de novo - como se fosse pela primeira vez! É a nossa ‘sempre nova’ ‘velha maneira’ de ser: redescobrindo.

A vida rejuvenesce quando rejuvenescemos o apetite por ela. E isso não é direito autoral das crianças de colo – para quem tudo é inédito. Afinal, elas crescem, e os sustos diminuem. O “senso de familiaridade” as trarão, também, até esse ponto. O fundamental é que saibamos, por fim, isso: todos devemos igualmente reaprender o encanto e o maravilhamento.

O Criador não fez um mundo pirotécnico e irregularmente sempre novo. Não o fez também um mundo mecânico, previsível e enfadonho. Antes, o mundo por Ele criado, é destinado a fazer durar o que vale à pena. Em outras palavras, haverá, no Final, um BIS teatral – próprio do Criador, como escreveu o Chesterton:


“Pelo fato de as crianças terem uma vitalidade abun­dante, elas são espiritualmente impetuosas (...) por isso querem coisas repetidas, inalteradas. Elas sempre dizem: ‘Vamos de novo’; e o adulto faz de novo até quase morrer de cansaço. Pois os adultos não são fortes o suficiente para exultar na monotonia.

(...) E possível que Deus todas as manhãs diga ao sol: ‘Vamos de novo’; e todas as noites à lua: "Vamos de novo". Talvez não seja uma necessidade automática que torna todas as margaridas iguais; pode ser que Deus crie todas as margaridas separadamente, mas nunca se canse de criá-las. Pode ser que ele tenha um eterno apetite de criança; pois nós pecamos e ficamos velhos, e nosso Pai é mais jovem do que nós. A repetição na natureza pode não ser mera recorrência; pode ser um bis teatral. O céu talvez peça bis ao passarinho que botou um ovo”.


Por: Eric Brito


Disponível em:

http://www.jornalbahiahoje.com.br/index.asp?noticia=1429


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