sábado, dezembro 09, 2006

Só há espaço para um Rei

Seu nascimento

Palavras do rei Herodes sobre o nascimento de Jesus: “Mate-o. Há lugar apenas para um rei neste mundo”.

Número de líderes religiosos que criam no nascimento do Messias em Belém. Zero.

O tipo de pessoas que acreditavam. Alguns reis magos, pastores que trabalhavam no turno da noite, e um jovem casal prestes a ter um bebê, sem nunca antes haverem tido contato sexual.

A recompensa dada a José e a Maria por terem trazido Deus ao mundo. Dois anos no exílio, aprendendo a língua egípcia.

Este foi o princípio do movimento cristão. (E estes foram os dias calmos).

Seu ministério

O comentário nas ruas da cidade natal de Jesus quando Ele declarou ter sido enviado por Deus. “Que família estranha. Você já viu o primo dEle?”.

A reação dos amigos da cidade. “Apedreje-o”.

A opinião de seus irmãos. “Tranque-o”.

O número de discípulos recrutados por Jesus. Setenta.

O número de discípulos que o defenderam das autoridades. Zero.

A avaliação dos seguidores de Jesus encontrada na seção editorial em Jerusalém. “Um grupo de desempregados”.

O número de leprosos, cegos, e aleijados curados por Jesus. Incontáveis.

O número de leprosos, cegos, e aleijados curados por Jesus que o defenderam na noite de sua morte. Zero.

Sua morte

A opinião popular sobre Jesus antes que Ele limpasse o templo. “Será que Ele vai se candidatar a algum cargo?”.

A opinião popular sobre Jesus após Ele ter limpado o templo. “Vamos ver se Ele corre rápido”.

A decisão do concílio judaico. Cravos e espinhos.

A conversa nas ruas de Jerusalém após a morte de Jesus. “Ele devia ter permanecido no ramo da carpintaria”.

O número de vezes que Jesus profetizou que ressuscitaria três dias após a sua morte. Três.

O número de apóstolos que ouviram a profecia. Todas.

O número de apóstolos que aguardaram junto ao túmulo para verificar se Ele cumpriria sua promessa. Zero.

O número de seguidores que acreditaram na ressurreição antes que ela ocorresse. Faça as contas.

As chances que um apostador teria dado um dia após a crucificação sobre a possibilidade do nome de Jesus ser conhecido no ano 2000. “Eu diria que há mais chance de que Ele ressuscite da morte”.

Seu movimento

A resposta oficial dos líderes judeus sobre os rumores da ressurreição.”È claro que eles dizem que Ele está vivo. O que mais poderiam dizer?”.

A verdadeira resposta dos líderes judaicos para a ressurreição de Jesus. “E grande parte dos sacerdotes obedecia à fé” (At 6:7).

A decisão dos líderes judeus sobre a igreja. “Se este conselho ou esta obra é de homens, se desfará, mas, se é de Deus, não podereis desfazê-lo” (At 5:38-39).

A resposta da Igreja. Estava “crescendo o número de discípulos” (At 6:1).

O movimento continua

A crença do filósofo Voltaire. A Bíblia e o cristianismo acabariam dentro de algumas centenas de anos. Ele morreu em 1778. O movimento continua.

O pronunciamento de Friedrich Nietzsche em 1882. “Deus está morto”. O surgimento da ciência, cria ele, seria a destruição da fé. A ciência surgiu, o movimento continua.

Como o dicionário comunista definiu a Bíblia. “È uma coleção de lendas fanáticas sem qualquer suporte científico”. O comunismo está diminuindo; o movimento continua.

Os fatos. O movimento nunca foi tão forte. È incontável o número de cristãos.

A descoberta feita por qualquer pessoa que tenha tentado enterrar a fé. A mesma feita por todos o que tentaram enterrar seu Fundador: Ele não permaneceu no túmulo.

A questão. Como explicamos isto? Jesus nunca escreveu um livro, nunca gerenciou um escritório. Nunca viajou mais do que 320 quilômetros distante de sua terra natal. Os amigos o abandonaram. Um o traiu. Os que Ele ajudou esqueceram-se dEle. Foi abandonado antes de sua morte. Mas após sua morte eles não puderam resisti-lo. O que fez esta diferença?

A resposta. Sua morte e ressurreição.

O motivo por que Ele fez isto. O rosto que você vê no espelho.

O veredicto após dois milênios. Herodes estava certo: Só há lugar apenas para um Rei.

Max Lucado




Cigarras II

Há uma passagem no livro de Provérbios que diz: “vai ter com a formiga, ó preguiçoso..”. Concordo. Temo, porém, que a formiga que o preguiçoso encontre seja a nossa mesma formiguinha da história que já contamos. Certamente, não seria um exemplo a ser seguido. Ademais, numa sociedade de formigas como a nossa, esse conselho seria sem utilidade. Não seria preciso “ir”. Creio por isso, que era de outra formiga que o sábio conselheiro se referia.

Enquanto escrevia o texto “cigarras” o fiz afim de evidenciar o nosso tão reprimido lado cigarra. Tratei da nossa condição de “Alma de cigarra num como de formiga”, e do arquétipo que, aos poucos, a cigarra foi ganhando: um anseio pertencente a todos nós, um anseio que não se cala. Uma vontade irrefreável de cantar.

Por outro lado, evidenciou-se por si só uma outra condição nossa, essa talvez a que melhor nos represente: “Alma de formiga num corpo de cigarra”. Não, não somos formigas. Somos cigarras adormecidas como aquela águia que cresceu achando que era galinha da belíssima história que virou livro nas idéias do Leonardo Boff.

Como os mesmos fins libertadores, escrevo que somos cigarras criadas como formigas.

Espero que, ao se deparar com algum instrumento musical, ou até quem sabe ao ouvir os sons da saudade, como aquela águia, que se libertou ao contemplar o horizonte, a nossa verdadeira identidade nos seja revelada.

Na dedicatória do seu livro Boff refere-se a “águia mais aprisionada e reprimida de nossa cultura”, aos “ portadores da ânsia de ser-águia” e por fim o dedica a todos os que, sendo águias, são impedidos de o ser e se vêem reduzidos à condição de galinhas. Troque a palavra “águia” por cigarra, e terá a minha dedicatória.

terça-feira, novembro 14, 2006

Cigarras

Quem nunca leu a história da cigarra que fazia da vida uma canção sem fim, a despeito da formiga proletária e utilitarista que, uma vez inserida no sistema do capital, fazia do trabalho algo maior que a vida?


As cigarras desde então me cativaram.


Sim, sei que o objetivo do livro, e o seu fim deixa claro isso, é dar a lição de moral na direção inversa: honrar a formiga e corrigir a cigarra.


Sempre achei essa história muito estranha. Honrar a formiga me parecia uma apologia ao capitalismo. Afinal, pra ela o que valia era o trincar da caixa registradora. Isso era a sua música. A sua sobrevivência era a própria vivência.


A cigarra, pra mim, é a esperta da história. Sem que, na época, me dasse conta: era com ela que eu me identificava.


Mas o tempo passou e minhas tendências se infiltraram no incosciente.
Foi então que me deparei com uma cigarra, não uma normal, uma em versos, e toda essa idéia ressurgiu novamente...



Cigarras (Cacau Novaes)

Existe uma cigarra

Em cada um de nós

Cantando, enquanto o outro trabalha.

Existem cigarras

Milhares de cigarras graúdas

Enormes

De vozes afinadíssimas.

Existem cigarras

Passeando sobre discos

Emitindo sons.

Sons estranhos, sons belos

Que ninguém nunca ouviu.

Existem em toda parte

Cigarras que cantam

Músicas soltas no ar.


Todos nós temos um quê de cigarra, o canto sempre nos lábios. Um ritmo interior que existe pra tornar a vida mais alegre, mais divertida, mais dançante. Ela bem que pode representar um arquétipo da alma humana.


Sabe o que eu acho interessante nesses animais barulhentos? Não, elas não fazem do canto, algo mais importante do que a vida! Não morrem de tanto cantar, nem cantam pra morrer. Mas apenas vêem no cantar a verdadeira vida. A morte é o "não cantar mais". Ou seja, pra quem é cigarra o "não cantar mais" que é morte.


Realmente, existe uma cigarra, em cada um de nós. Não um canto! ... Uma vontade de cantar... de fugir com o cântico:


"Em outros tempos, falava-se muito mal da alienação. A palavra “alienado” era usada como xingamento. Alienação era uma doença pessoal e política a ser denunciada e combatida. A palavra alienação vem do latim alienum que quer dizer “que pertence a um outro”. Daí a expressão alienar um imóvel. Pois a música produz alienação: ela me faz sair do meu mundo medíocre e entrar num outro, de beleza e formas perfeitas. Nesse outro mundo eu me liberto da pequenez e picuinhas do meu cotidiano e experimento, ainda que momentaneamente, uma felicidade divina."


Marx concordaria que o canto é o ópio das cigarras. Mas tudo o que Marx precisava para relaxar era de música...

“Existe uma cigarra

Em cada um de nós

Cantando, enquanto o outro trabalha.”


Ah! sim, Existe essa cigarra em nós! Um cântico que não cessa. Mas não um cântico reprimido: preso num corpo que não o acompanha, mas um cântico que baila em nosso interior e faz dançar a alma do corpo que trabalha. Essa lição os comunistas tocadores de flauta (esse o aspecto negativo da cigarra da historinha) não aprenderam com a religião. O religioso não foge, ele ouve sons diferentes. E isso ritmifica a vida.


Não, não é uma questão de fuga. É uma questão de existirem cigarras.
Mais de uma. Várias.


Cigarras imortais, que cantam o retorno. Voz da saudade, lembrança do lugar onde o cantar não nos consumia.


Lá, o canto é vida, não morte. Não tínhamos que abandonar nossos cascos. Não havia cascos.
Porém cá, o canto é alívio.


Já pensou se desse a louca na formiga e ela resolvesse ouvir músicas?