quarta-feira, fevereiro 14, 2007

Olhando Para Cima - Parte II


O avanço de um povo pode ser praticamente determinado pelo seu interesse em observar as estrelas. Cada grande civilização do passado - inca, mongol, chinesa, egípcia, grega, renascentista européia - fez importantes descobertas no campo da astronomia. Uma ironia permeia a história da humanidade: cada civilização adquire a capacidade de medir sua própria insignificância; depois, deixa de reconhecer esse fato e desaparece.

E nós, lançadores de naves espaciais Viking e Apollo, fabricantes do observatório espacial Hubble e dos radiotelescópios Very Large Array espalhados ao longo de 60 quilômetros no deserto do Novo México? Será que as nossas realizações nos tornam mais ou menos humildes? Mais ou menos ilustres?

Quase na mesma ocasião em que li Chet Raymo, fui assitir a um filme produzido pela tripulação de uma nave espacial com uma câmera Omnimax de formato especial. O que mais me impressionou foram as tempestades de raios. Vistos do espaço, os relâmpagos flamejavam em um padrão aleatório de beleza, iluminando, a cada descarga, o tapete de nuvens que se estendia por várias centenas de quilômetros. O raio chameja, espalha-se por determinada extensão, brilha e depois esmaece. E, o que é mais curioso, sem produzir nenhum som.

Fiquei impressionado com a enorme diferença que a perspectiva faz. Na Terra, famílias se aconchegavam dentro de casa, carros se escondiam sob os viadutos das auto-estradas, animais se abrigavam na floresta, crianças choravam á noite. Transformadores cintilavam, lagos transbordavam, cães ganiam. Mas, do espaço, víamos apenas um suave e agradável brilho, aumentando e diminuindo, uma onda de luz.

Chet Raymo, que dorme de dia e contempla o espaço á noite, vive em constante questionamento em decorrência da sua qualidade de observador do universo. Ele descreve como as galáxias que se afastam indicam um BIG BANG da criação, no qual toda a matéria o universo adquiriu existência a partir de uma gigantesca explosão que durou apenas um segundo. Ele reconhece a inimaginável probabilidade de que qualquer bem possa advir de uma explosão causal desse tipo.

"Se um segundo após o BIG BANG o coeficiente da densidade relativa do universo em relação ao seu coeficiente de dilatação diferisse à razão de uma parte em 10.15 (1 seguido de 15 zeros) de seu valor presumido, o universo desmoronaria rapidamente sobre si mesmo ou se dilataria com tanta rapidez que as estrelas e galáxias não teriam se condensado a partir da matéria original... Se todos os grãos de areia de todas as praias da Terra fossem universos compatíveis com as leias da física como as conhecemos - e somente um desses grãos fosse um universo propício à existência de vida inteligente, esse único grão de areia seria o universo em que habitamos."

Depois de ler Chet Raymo, voltei-me para uma passagem que eu marcara há muito tempo no extraordinário livro Alone (Só), o depoimento do Comandante Richard Byrd sobre uma solitária permanência de 6 meses na Antártida, próximo ao Pólo Sul. Byrd estava quase sempre olhando para cima; o restante da paisagem era completamente branco. Encontrando-se mais ao sul do planeta do que qualquer outro ser humano, ele testemunhou fenômenos ocorridos no céu - como a refração, que lançava faixas de cores que atravessavam o núcleo do Sol - fora do campo de visão de qualquer outra pessoa na Terra.

Após uma caminhada em uma tarde gelada (a temperatura era de 89°C negativos na estação da noite perpétua), Byrd se sentou e escreveu o que havia visto em suas observações de estrelas.

"Eu estava convicto de que o ritmo era demasiadamente cadenciado, harmônico e perfeito para ser produto de mero acaso - e que, portanto, devia haver uma finalidade no todo e que o homem fazia parte desse todo, não de uma ramificação acidental. Era uma sensação que transcendia a razão; que tocava o âmago do desespero humano e não encontrava fundamento. O universo era um cosmo, não um caos; o homem era uma parte tão legítima desse cosmo quanto o dia e a noite."

É necessário um grande esforço, e uma fé considerável, para manter O Grande Quadro em mente. De um lado, é algo que me faz sentir insignificante; de outro, eternamente significante. Se o Deus que projetou a criação com tamanha precisão professa um pouquinho de interesse pelo que acontece neste minúsculo planeta, o mínimo que posso fazer é afastar-me com mais freqüência dos postes de iluminação de rua e olhar para cima.

Olhando Para Cima - Parte I



(Trecho do livro "Encontrando Deus nos Lugares Mais Inesperados - Philip Yancey)


Tenho pensado no Universo ultimamente. No Universo como um todo. Depois de ler um pouco da elegia em prosa do astrônomo Chet Raymo (Starry Nights, The Soul of the Night [Noites Estreladas, A Alma da Noite]), olho para cima e espicho o pescoço em ângulos esquisitos tentando divisar algo no céu vazio e escuro. Morando em Chicago, no entanto, consegui, no máximo, ver a Lua, Vênus e a trajetória de vôo seguida pelos jatos que pousam em O´Hare Field, e devo acreditar na palavra de Raymo no tocante do que existe além disso.

Os conhecimentos sobre o universo são de pouca valia para a auto-estima terrena. O nosso Sol, suficientemente poderoso para transformar pele branca em bronze e atrair oxigênio de cada planta, ocupa um lugar modesto pelos padrões galácticos. Se a gigantesca estrela Antares fosse posicionada onde nosso Sol se encontra - a 93 milhões de milhas de distância - , a Terra estaria dentro dela! E o nosso Sol e Antares representam apenas dois dos 500 bilhões de astros e estrelas que circulam pelo vasto espaço da Via Láctea. Segurando uma moedinha com o braço esticado, encubriríamos 15 milhões de estrelas, se nossa visão tivesse esse poder de alcance.

Do nosso hemisfério, somente outra galáxia, Andrômeda, tem tamanho e proximidade suficientes (meros dois milhões de anos-luz de distância) para ser vista a olho nu. A estrela apareceu nos gráficos estelares muito antes da invenção do telescópio, e até recentemente ninguém sabia que a pequena mancha de luz marcava a presença de uma galáxia duas vezes maior que a Via Láctea e sede de meio trilhão de estrelas, ou que esses vizinhos mais próximos são apenas duas das 100 bilhões de galáxias igualmente repletas de estrelas que existem.

Uma das razões do céu permanecer escuro á noite, apesar da presença de tantos corpos luminosos, é que todas as galáxias se afastam uma das outras com espantosa velocidade. Amanhã, algumas galáxias estarão cerca de 50 milhões de quilômetros mais distantes de nós. No tempo necessário para digitar essa frase, elas terão se afastado mais 3.100 quilômetros.

Contemplei a Via Láctea em plena glória certa vez, quando visitava um acampamento de refugiados na Somália, logo abaixo do equador. Nossa galáxia estendia-se pela abóboda escura como uma auto-estrada pavimentada de pó de diamante. Desde aquela noite em que me deitei de costas na areia quente longe do poste de luz mais próximo, o céu nunca mais pareceu vazio e a Terra grande demais.

Eu havia passado o dia inteiro entrevistando os que trabalhavam pela rendição questionando sobre a megacatástrofe do momento. Curdistão, Ruanda, Sudão e Etiópia - os nomes dos lugares mudam, mas o espetáculo do sofrimento guarda a mesma tenebrosa semelhança: mães com seios murchos e sem leite, bebês chorando e morrendo, pais á procura de lenha em terrenos sem árvores.

Depois de três dias ouvindo histórias de miséria humana, eu não conseguia erguer os olhos e ver além daquele acampamento em um canto lúgubre de um país obscuro situado no Chifre da África. Até ver a Via Láctea, que, de repente, me fez lembrar de que o momento presente não abrangia a vida inteira. A história continuaria. Tribos, governos e todas as civilizações podem ascender e decair deixando um rastro de catástrofes em seu caminho, mas não ousei limitar meu campo de visão às cenas de sofrimento que se desenrolavam à minha volta. Eu precisava olhar pra cima, para as estrelas.

"Poderás tu atar as cadeias do Sete-estrelo? Poderás tu soltar os laços do Órion? Poderás tu fazer aparecer os signos do Zodíaco ou guiar a Ursa com seus filhos? Sabes tu as ordenanças dos céus? Pode estabelecer a influência de Deus sobre a Terra?" Essas perguntas Deus fez a um homem chamado Jó, que, obcecado por seu grande sofrimento, havia limitado sua visão às fronteiras de sua pele, que coçava. Impressionante é a advertência de Deus que pareceu ajudar Jó. Sua pele ainda coçava, mas Jó passou a ter uma visão de outras questões. Deus precisava cuidar de um Universo formado por 100 bilhões de galáxias.

Na minha opinião, o discurso de Deus no livro de Jó aparenta ter um certo tom de rispidez. Mas talvez essa seja a sua mensagem mais importante: o Senhor do universo tem o direito de ser ríspido quando atacado por um minúsculo ser humano, apesar dos méritos de sua queixa. Nós, descendentes de Jó, não ousemos perder de vista O Grande Quadro, a visão mais clara desfrutada em noites claras sem luar.