quinta-feira, novembro 26, 2009

Papo de Graça - C. S. Lewis e George MacDonald




Abaixo, uma conversa imaginária criada por Lewis em O grande abismo, entre ele e o Professor - George MacDonald, que é um dos responsáveis pelo seu encontro com a Alegria, e por aquilo que ele chama de ‘conversão da imaginação’.

O grande abismo (também traduzido como O grande divórcio) é um livro alegórico e deve ser encarado como tal. O subtítulo do livro evidencia seu tema: uma viagem das profundezas do inferno à superfície do céu. E é esse o cenário da conversa: a superfície do céu, onde os Fantasmas [perdidos] que querem, tem acesso.

OBS - As idéias do Lewis devem ser extraídas à luz de suas outras obras. A dica é: no livro O problema do sofrimento ele dedica capítulos inteiros sobre o céu e sobre o inferno.

Boa leitura!


***

“Meu nome é George”, respondeu. “George Mac Donald.”

“Ó!” exclamei. “Pode então dizer-me. Pelo menos não vai enganar-me.” Supondo então que tais expressões de confiança precisavam ser explicadas, tentei, tremendo, contar-lhe tudo o que seus escritos tinham feito por mim. Procurei falar sobre certa tarde gelada numa estação de trens quando comprei uma cópia de sua obra Phantastes (eu tinha na época cerca de dezesseis anos) que foi para mim o que a primeira visão de Beatriz foi para Dante: Este é o começo da Nova Vida. Passei a confessar quanto tempo essa Vida permanecera apenas na imaginação: como lentamente e com relutância viera a admitir que o seu cristianismo tinha uma ligação mais do que acidental com ela, como tentara duramente não ver que o verdadeiro nome da qualidade que o primeiro se defrontou comigo em seus livros era Santidade. Ele colocou a mão sobre a minha e me fez parar.

“Filho”, disse ele, “O seu amor — todo amor — tem um valor indizível para mim. Mas pode poupar-me um tempo preciso (e ele nessa hora pareceu realmente um escocês) se eu lhe disser que já tenho perfeito conhecimento desses detalhes biográficos. De fato, percebi que sua memória o trai em um ou dois pontos.”

“Oh!” disse eu, e fiquei calado.

“Você tinha começado”, falou meu Professor, “a tratar de algo mais proveitoso.”

“Senhor”, respondi, “tinha quase me esquecido, e não me preocupo com a resposta agora, embora esteja ainda curioso sobre uma coisa. Trata-se desses Fantasmas. Algum deles fica? Podem ficar? Existe realmente uma opção para eles? Como chegam aqui?”
“Você nunca ouviu falar do Refrigério? Um homem com as suas vantagens poderia tê-lo lido em Prudêncio, para não mencionar Jeremy Taylor.”

“O nome me soa familiar, senhor, mas acho que esqueci do seu significado.”

Significa que os condenados têm feriados — excursões, você compreende.”

“Excursões a este país?”

“Para aqueles que quiserem fazê-las. Naturalmente a maioria dessas tolas criaturas não quer. Preferem viajar de volta para a terra. Vão e enganam as parvas mulheres chamadas médiuns. Vão para lá e tentam apossar-se de alguma propriedade que antes lhes pertenceu, e é assim que surgem as casas mal assombradas. Ou vão espreitar os seus filhos. Os fantasmas literatos ficam rondando as bibliotecas públicas para ver se alguém lê os seus livros.”

“Mas se vierem aqui, podem realmente ficar?”

“Naturalmente. Você deve ter ouvido que o imperador Trajano fez isso.”

“Mas, não entendo. O juízo não é final? Existe mesmo um meio de sair do inferno e ir para o céu?”

“Isso depende da maneira como você usa as palavras. Se eles deixarem para trás aquela cidade cinza não terá sido o Inferno. Para quem quer que a deixe, ela é o Purgatório. E talvez seja melhor você não chamar este país de Céu. Não Céu Profundo, compreende?” (E aqui ele sorriu para mim.) “Pode chamá-lo de Vale da Sombra da Vida. Entretanto, para os que ficam aqui terá sido Céu desde o princípio. E pode chamar aquelas ruas tristes na cidade lá longe de Vale da Sombra da Morte: mas para os que ali permanecem terão sido inferno desde o começo.”

Suponho que viu que eu parecia confuso, pois continuou.

“Filho”, disse, “no seu estado atual você não pode compreender a eternidade: quando Anodos olhou através da porta do Eterno ele não levou de volta qualquer mensagem. Mas você pode obter uma semelhança dela se disser que tanto o bem como o mal, quando plenamente desenvolvidos, se tornam retrospectivos. Não só este vale, mas todo o seu passado terreno terá sido Céu para os que são salvos. Não só o crepúsculo naquela cidade, mas toda a sua vida na terra também, será vista então pelos condenados como sendo o Inferno. É isso que os mortais não entendem. Eles dizem a respeito de um sofrimento temporário: ‘Nenhuma bênção futura poderá compensar-me disso’, sem saber que o Céu, uma vez alcançado, irá operar retroativamente e transformar até mesmo essa agonia em glória. E quanto a algum prazer pecaminoso dizem: ‘Deixe-me ter apenas isso, e aceito as conseqüências’: sem ter idéia de como a condenação retrocederá para o seu passado e irá contaminar o prazer do pecado. Ambos os processos começam mesmo antes da morte. O passado do homem bom passa a modificar-se de forma que seus pecados perdoados e sofrimentos lembrados tomam a qualidade do Céu; o passado do homem mau já se conforma à sua maldade e está cheio apenas de miséria. É por isso que, no fim de todas as coisas, quando o sol nascer aqui e o crepúsculo se transformar em trevas lá, os Santos dirão: ‘Jamais vivemos em lugar algum exceto no Céu’, e os Perdidos, ‘Sempre estivemos no inferno’. E ambos estarão falando a verdade.”

“Isso não é duro demais, senhor?”

“Estou querendo dizer que esse é o sentido real das palavras deles. Na linguagem de fato dos Perdidos, as palavras serão diferentes, sem dúvida. Alguém dirá que sempre serviu seu país, quer certo ou errado; outro afirmará que sacrificou tudo pela sua Arte; e alguns, que nunca foram enganados; e outros ainda que, graças a Deus, sempre se preocuparam com o Número Um, e quase todos, que, pelo menos, sempre foram sinceros consigo mesmos.”

“E os Salvos?”

“Ah, os Salvos... o que acontece com eles é melhor descrito como o oposto de uma miragem. O que pareceu, quando entraram nele, ser o vale do infortúnio se transforma, quando olham para trás, num poço de água pura; e onde a experiência presente só divisou desertos salinos, a memória registra com veracidade que os reservatórios estavam cheios de água.”

“Então os que dizem que Céu e Inferno são apenas estados de mente, estão certos?”

“Quieto”, respondeu com severidade. “Não blasfeme, O inferno é um estado de mente — você jamais disse algo mais verdadeiro. E todo estado de mente, quando deixado entregue a si mesmo, todo encerrar da criatura na prisão de sua própria mente — é, afinal de contas, o inferno. Mas o céu não é um estado de mente. O céu é a própria realidade. Tudo que é realmente verdadeiro é celestial. Pois tudo que pode ser abalado será abalado e só o que é inabalável permanecerá.”

“Mas, existe realmente opção depois da morte? Meus amigos católico-romanos ficariam surpresos, pois para eles as almas no Purgatório já estão salvas. E meus amigos protestantes também não gostariam nada, pois diriam que a árvore fica onde cai.

“Talvez ambos estejam certos. Não se preocupe com tais questões. Você não pode compreender por completo as relações da escolha e do tempo até que supere aos dois. E não foi trazido aqui para estudar tais curiosidades. O que deve interessá-lo é a natureza da escolha em si: e isso você pode observá-los fazendo.”

“Bem, senhor”, respondi, “isso também precisa ser explicado. Qual a opção feita por essas almas que voltam (ainda não vi outras)? E como podem fazer sua escolha?”

“Milton estava certo”, afirmou meu Professor. “A escolha de toda alma perdida pode ser expressa nas palavras: ‘E melhor reinar no inferno do que servir no céu’. Existe sempre algo que insistem em guardar, mesmo ao preço do sofrimento. Existe sempre algo que preferem à alegria — isto é, à realidade. Você pode observar tal coisa na criança mimada que prefere perder a brincadeira e o jantar a pedir desculpas e voltar às boas. Deram a essa atitude o nome de Zanga ou Amuo, mas na vida adulta ela possui uma centena de nomes refinados a ira de Aquiles, o orgulho de Coriolano, Vingança, Mérito e Auto-Respeito Injuriados, Grandeza Trágica e Orgulho Justo.

“Então ninguém se perde através dos vícios indignos, senhor? Mediante a simples sensualidade?”

“Alguns fazem isso, sem dúvida. O sensual, começa perseguindo um prazer real, embora pequeno. Seu pecado é pequeno. Mas chega a hora em que, embora o prazer diminui sempre e o desejo cresça cada vez mais, e embora ele saiba que a felicidade jamais é alcançada dessa forma, mesmo assim prefere à alegria a simples carícia da luxúria insaciável e não pode admitir que isso lhe seja negado. Lutaria até a morte para mantê-lo. Gostaria de poder coçar-se, mas mesmo quando não pode coçar prefere mesmo assim manter o desejo de fazê-lo.”

Ele silenciou por instantes e depois continuou.

“Compreenda, existem inúmeras formas de escolha, e algumas que jamais alguém na terra pensou que existissem. Houve uma criatura que esteve aqui há algum tempo e voltou — Sir Archibald era o seu nome. Na sua vida terrena não se interessava por nada além da simples sobrevivência. Ele tinha escrito uma estante inteira de livros sobre o assunto, tendo começado pela filosofia mas acabando por enfronhar-se na Pesquisa Psíquica. Essa passou a ser a sua única ocupação: experimentos, palestras, publicação de revistas. Ele também viajava: desenterrando histórias fantásticas entre os Lamas do Tibete e sendo iniciado nas irmandades da África Central. Provas e mais provas, e a seguir ainda outras provas — era o que desejava. Ficava louco quando via alguém interessar-se por qualquer outra coisa. Ficou encrencado durante uma das guerras de vocês, andando para baixo e para cima do país, dizendo a todos que não deveriam lutar por ser uma perda de dinheiro que deveria ser gasto em Pesquisas. Bem, na hora oportuna a pobre criatura morreu e veio para cá: e não houve poder algum no universo que pudesse impedi-lo de ficar e ir para as montanhas. Mas você pensa que isso teve qualquer resultado positivo? Absolutamente. Este país não tinha utilidade para ele. Todos aqui já tinham “sobrevivido”. Ninguém se interessou o mínimo pela questão. Nada havia a ser provado. Sua ocupação era inútil. Naturalmente, se tivesse admitido que se enganara, considerando os meios como um fim, e tivesse rido de si mesmo, poderia ter começado tudo de novo como uma criancinha e entrado no gozo. Mas não quis fazer isso. Pouco se importava com a alegria. No final foi-se embora.

“Que coisa fantástica!” comentei.

“Você acha?” perguntou o Professor com um olhar penetrante. “Está mais perto disso do que pensa. Houve homens que se interessaram de tal forma em provar a existência de Deus que acabaram se desinteressando por completo do próprio Deus... como se o bom Senhor nada tivesse a fazer além de existir! Houve alguns tão ocupados em espalhar o cristianismo que jamais deram um pensamento a Cristo. Amigo! Você pode ver isso nas pequenas coisas. Você já conheceu um amante de livros que com todas as suas primeiras edições e obras autografadas tivesse perdido o poder de lê-las? Ou um organizador de obras de caridade que perdesse todo amor pelos pobres? Trata-se da mais sutil de todas as armadilhas.”

Movido por um desejo de mudar de assunto, perguntei por que o Povo Sólido, desde que eles tinham tanto amor, não iam para o Inferno a fim de resgatar os Fantasmas. Por que se contentavam em encontrá-los na planície. Era de se esperar uma piedade mais ativa.”

“Você irá compreender isso melhor, talvez, antes de ir-se”, disse ele. “Nesse meio tempo, devo contar-lhe que eles avançaram por causa dos Fantasmas mais do que você pode compreender. Cada um de nós vive apenas para viajar cada vez mais para dentro das montanhas. Cada um de nós interrompeu essa jornada e retrocedeu distâncias incomensuráveis a fim de estar aqui hoje na simples possibilidade de salvar algum Fantasma. Naturalmente é também agradável fazer isso, mas não pode culpar-nos! E seria inútil avançar além mesmo que fosse possível. Os sãos não fariam bem algum se ficassem loucos para ajudar os loucos.”
“Mas, e os pobres Fantasmas que nem entram no ônibus?”

“Todo aquele que quer faz isso. Não se preocupe. Só há duas espécies de pessoas no final: os que dizem a Deus, ‘Seja feita a Tua vontade’, e aqueles a quem Deus diz: A tua vontade seja feita. Todos os que estão no inferno foi porque o escolheram. Sem essa auto-escolha não haveria inferno. Alma alguma que desejar sincera e constantemente a alegria irá perdê-la. Os que buscam encontram. Para aqueles que batem a porta é aberta.”



quarta-feira, novembro 11, 2009

GENEROSIDADE


Na foto: Ed René Kivitz



A generosidade é a virtude que transcende a justiça. Justiça é dar a cada um o que lhe é de direito. Generosidade é distribuir o que pertence ao doador, que abre mão da posse porque se alegra mais em compartir do que em reter. Justiça é dar pão a quem tem fome. Por esta razão, é preciso ser justo antes de ser generoso, disse Chamfort. A generosidade, disse Hume, se fosse absoluta e universal, nos dispensaria da justiça.
O tributo é a dádiva da obrigação: dar a César o que é de César. A oferta generosa é a dádiva do coração: dar a Deus o que é de Deus, pois a Deus não se dá por obrigação. A solidariedade é a dádiva da responsabilidade, ou como ensinou Martin Luther King Jr., "a injustiça em algum lugar é uma ameaça à justiça em todos os lugares", ecoando Abraham Lincoln: "Ao darmos liberdade aos escravos, estamos garantindo a liberdade aos que são livres". A generosidade é dádiva da liberdade-liberalidade, de quem possui, mas não é possuído. A solidariedade é a dádiva da consciência. A generosidade é a dádiva do coração. Na solidariedade há inteligência, na generosidade, afeição.
Amar ao próximo como a si mesmo é solidariedade, e nesse sentido, a solidariedade é uma forma de amor indireto por si mesmo: cuidando dele, cuido de mim, ou, no mínimo, mostro como se deve cuidar de alguém, caso um dia esteja eu no lugar do próximo que ora ajudo. Amar ao próximo com o amor de Cristo é amar ao próximo inclusive às custas do sacrifício de si mesmo, estou disposto a dar do meu para que o outro jamais tenha falta, não me importando sequer se a falta será minha.
Amigos de verdade, observou Montaigne, não se pode emprestar nem se dar nada, pois tudo é comum entre eles. Assim viveram os primeiros cristãos: ninguém considerava propriamente seu o que possuía, pois tinham tudo em comum. Nesse caso, a generosidade se destina ao outro, ao estranho, e mesmo ao inimigo. Que virtude em ser generoso com os filhos, já que a felicidade dos filhos é a felicidade dos pais?
Comte-Sponville pergunta: que porcentagem de sua renda familiar você consagra a despesas que se possam chamar de generosidade, em outras palavras, a uma felicidade diferente da sua ou de seus íntimos? Ele mesmo responde: cada um responderá por sua conta, mas imagino que estamos quase todos abaixo dos 10%, e muitas vezes, faça o cálculo, abaixo de 1%. Certo, o dinheiro não é tudo, diz ele, mas porque milagre seríamos mais generosos nos domínios não financeiros ou não quantificáveis? Por que teríamos o coração mais aberto do que a carteira? O inverso é mais verossímil.
De fato, Jesus tinha mesmo razão ao afirmar que mais bem aventurada coisa é dar do que receber. Alguém com raciocínio lógico concordaria: em melhor condição está quem dá do quem recebe. Mas tal raciocínio é egoísta: prefiro dar do que receber, porque isso significa que tenho mais do que aquele que recebe, ou pior, um raciocínio mesquinho: antes ele do que eu. A bem aventurança de dar implica a constatação de que já estamos livres de possuir e ser possuídos. Para quem é livre dar não é obrigação, responsabilidade ou solidariedade. Para quem é livre, dar é amor. Por isso é que se diz que é possível dar sem amar, mas é impossível amar sem dar.

Ed René Kivitz

quarta-feira, outubro 28, 2009

Aceitação e mudança









Almir Linhares

Pressa

Uma questão familiar àqueles que lidam com psicoterapia ou aconselhamento, é que muitas pessoas que vêm em busca de ajuda trazem um desejo de mudança ou de solução rápida do problema que estão vivendo. Existe, com frequência, uma expectativa imediata de cura ou resolução da situação conflitiva. Às vezes, na primeira entrevista, logo após expor o problema, a pessoa já diz: "Minha situação é esta... e agora, o que eu faço?"
É natural, diante dos transtornos que muitas situações da vida nos trazem, que desejemos resolver rapidamente nossos problemas. No entanto, uma análise dessa pressa pode revelar-nos que a pessoa está tentando evitar alguma coisa. Antes mesmo de ter a consciência da verdadeira dimensão do problema, antes mesmo de compreendê-lo e aceitá-lo em toda a sua extensão, ela espera resolvê-lo. É comum não querermos nos dedicar, com disposição e paciência, à análise do problema. Queremos, avidamente, respostas. Nossa tendência é saltar rapidamente o problema (passar por cima) e procurar atalhos que nos levem logo à solução.
Diante disso, podemos perguntar: Por que é tão difícil aceitar um problema e se deter melhor sobre ele?

Aceitação

Para responder a esta questão é necessário definir melhor o que entendemos por aceitação. A aceitação não é meramente um problema intelectual, lógico, racional. A aceitação é principalmente uma questão emocional. Ela nos remete ao mundo dos sentimentos: raiva, tristeza, alegria, medo etc. Os afetos nos mobilizam a partir de nosso íntimo. Emocionar-se é reagir à vida e expressar-se diante do que ela apresenta. As emoções estão intimamente ligadas com as possibilidades de expressão do nosso ser. De um lado, podemos associar um grupo de sentimentos, tais como a alegria e o entusiasmo, aos momentos de expressão mais plena de vida. De outro, os sentimentos ligados à raiva e à tristeza estão relacionados aos momentos em que há perdas e dificuldades na vida.
Nosso modo de fazer frente à vida é estruturado muito mais a partir das emoções do que a partir de uma elaboração racional ou lógica da realidade. As emoções tocam no centro da nossa vida. Elas nos indicam a existência de situações ameaçadoras (por exemplo, quando sentimos medo) e também nos sinalizam as possibilidades de realização e êxito (por exemplo, a alegria). A emoção é algo vital para todos nós. Ela pode tanto nos impulsionar para o pensamento de ação, como bloquear-nos, atrapalhar-nos e mesmo imobilizar-nos. Lidar com as emoções, aceitá-las e integrá-las é condição para a expressão plena de nossa pessoa. Contudo, essa integração pode ser difícil, pois uma parte de nossas experiências emocionais nos são desagradáveis, envolvem sentimentos de tristeza, raiva, decepção, frustração etc. Ocorre que nós nos protegemos do sofrimento e muitas vezes queremos viver como se ele não existisse. Assim, procuramos evitar as lembranças, pensamentos e situações que despertam sentimentos desagradáveis. E aqui surge a questão da aceitação. Tomar consciência de nossos problemas é também entrar em contato com sentimentos dolorosos e difíceis de serem suportados. Aceitar nossos problemas e dificuldades reais é algo que fere nossas fantasias e desejos de perfeição e harmonia constantes. Os nossos conflitos e dificuldades diante da vida apontam para os limites, necessidades e falhas existentes em nós e nos outros. A este respeito, existe um pequeno mas tocante texto de Paul Tournier (publicado no Brasil pelo CPPC, com o título Quando ousei compartilhara mim mesmo), no qual, com a simplicidade e humanidade características do seu estilo, através de um depoimento pessoal, ele nos mostra como tendemos a evitar pensar nos pequenos e triviais problemas do cotidiano, porque eles nos remetem a situações incômodas e nos mostram como de fato somos.
A aceitação dos problemas e das dificuldades confronta-nos com a falta e com a dor, e, em última análise, com nossa dependência e com a morte. Não é de causar surpresa, portanto, que, frequentemente, nos refugiemos em um mundo de fantasias, no qual estamos sempre suspirando diante da realidade: "Como seria bom, se fosse diferente!" Mas, se somos demasiadamente influenciados por nossos desejos, podemos não ser capazes de perceber a realidade como de fato ela é. A percepção e aceitação da realidade nos permite ver onde estamos. Assim, pelo menos pode-se ter uma base verdadeira, a partir da qual se pode trabalhar.
Aceitar um problema, uma situação ou nossa própria história é poder parar. É se deter, pensar e sentir sobre o que essa situação ou lembrança realmente significa para nós. O momento de reconhecimento e aceitação é um momento inicial que pode nos permitir analisar mais profundamente a situação em que estamos. Somente a partir disso podemos pensar em seguir adiante e construir algo novo, sem precipitação nem ansiedade (ou, pelo menos, com elas em menor grau). Somente assim poderemos resolver melhor nossos problemas e buscar mudanças verdadeiras, e não através de atalhos nem soluções escapistas. Uma constatação realista das situações que estamos vivendo coloca-nos diante de nós mesmos e diante do que a vida nos apresenta, o que, muitas vezes, não é o que gostaríamos que fosse.


Risco

Para que alcancemos mudanças, é necessário correr riscos. Em um de seus livros, Tournier nos fala da "aventura da vida". De modo geral, não queremos aventura ou talvez a queiramos apenas nos filmes e nos livros. Na vida real o que costumamos querer é garantias, segurança. Em outras palavras, podemos dizer que, diante dos problemas da vida, queremos aceitá-los ou decidir sobre eles condicionalmente, isto é, desde que haja garantias de que tudo vai dar certo. A incerteza, o risco, não queremos aceitar.
Gostamos de caminhos bem definidos, de clareza em relação às decisões que estamos tomando. No entanto, não temos como fugir da responsabilidade e do risco que as decisões, pequenas ou grandes, nos impõem no dia a dia. Humanamente falando, não há soluções perfeitas. E é importante ressaltar que, mesmo conhecendo e aceitando a realidade, não há garantias de que nossas decisões serão acertadas. O saber não é uma garantia. Viver, decidir, fazer escolhas é um risco permanente. Nós erramos, mesmo sabendo e conhecendo. O fracasso é uma contingência do existir. Não somos Deus. Não somos onipotentes nem oniscientes, como parece que Adão pretendeu ser: conhecedor do bem e do mal, tendo capacidade de discernir tudo com clareza.
Viver é um ato de fé. E aqui começamos a sair da Psicologia e entramos no terreno religioso, pois o que estamos afirmando nos remete à condição de finitude do ser humano. Somos limitados, e nossa capacidade de previsão e de ação também apresentam os seus limites. Podemos errar em nossas escolhas e isso pode nos custar caro! Podemos também deixar de assumir as responsabilidades sobre nossas potencialidades e deixar de realizá-las. A fé não nos assegura o acerto nem o êxito (Hc 3.17-19), mas sim o perdão e a aceitação. Aceitação e perdão estão associados. Aceitar-nos e aos outros é admitir a nossa falibilidade e abrir-nos para acolher o outro e a nós mesmos tal como somos ou estamos. Somente assim poderemos nos livrar das fantasias que nos afastam da realidade e das cobranças e reivindicações amargas. Quando alcançamos essa abertura de mente e de espírito, estamos prontos para o milagre da mudança.
Para terminar, talvez não haja nada mais oportuno do que as palavras do próprio Dr. Paul Tournier: "Porque eu descobri que não é quando estamos espiritualmente ensoberbecidos, mas sim quando somos mais humanos, que mais nos aproximamos de Deus. Essa é uma verdade que Ele tem de me ensinar de novo todos os dias".





quarta-feira, outubro 21, 2009

Sobre Propósito III





MAIS UM POUCO DE PROPÓSITO!


A busca do sentido histórico e da imortalidade histórica tornaram-se os “deuses-destinos” de quase todos os homens na Terra.
Ora, assim, “propósito” equivale a “importância histórica” ou ao reconhecimento de que a pessoa se tornou “alguém” para outros “alguéns” que lhe dão suposta afirmação de significado; ou seja: propósito.
Desse modo mede-se o propósito da vida pelo significado histórico que a pessoa teve. Ou seja: a vida fica do tamanho do reconhecimento de terceiros.
A Academia Brasileira de Letras, por exemplo, assume tal realidade sem pudor algum quando declara que seus membros se tornam “imortais” mesmo antes de morrerem, pois, supostamente, passar a figurar naquele Panteão garante inesquecibilidade aos ocupantes dos “nichos” de literatura.
Nesse caso, “propósito” equivale a se tornar inesquecível!
Sendo assim, quem existe de modo “notório” tem sentido, e quem existe sem ser percebido se torna um nada, um incompetente para a História, tenha ela o tamanho que tiver em relação ao mundo da pessoa “sem propósito”.
É por tal razão que se diz que algumas figuras não morrem jamais, em razão de terem-se feito inesquecíveis pelo fato de suas realizações lhes garantirem sobrevida ao corpo físico, nem que seja de modo negativo.
Ora, nesse sentido é que Hitler foi escolhido como “a personalidade mais marcante do Século XX”, deixando Gandhi para trás, por exemplo.
É a confusão entre importância histórica e o significado existencial de cada um, aquilo que mais gera essa aflição acerca de propósito na vida!
A História só imortaliza quem não foi anônimo, mesmo que tenha sido um Hitler.
Ou seja: na História vale ganhar o mundo inteiro e perder a alma!
No Evangelho, porém, só tem significado aquele e aquilo que existe em amor, pois, sendo Deus amor, e sendo de Seu reconhecimento apenas e tão somente aquilo que foi feito em amor, por gente que existiu em amor, nada que não seja amor tem qualquer propósito; visto que para o Único com poder de atribuir sentido existencial e eterno às criaturas humanas, somente o que é produzido pelo material do amor tem durabilidade e permanência.
Se Deus é amor, como cremos, pergunto:
O que mais que não seja amor tem sentido ou carrega propósito?
E mais:
Se Deus não é amor, pergunto: que outro poder pode dar significado à existência humana?
Assim, o propósito de um ser humano é do tamanho de seu amor verdadeiro para com Deus, o próximo e a vida!
O que passar disto é angustia existencial pagã dominando a alma humana ou a alma do discípulo que perdeu a transcendência do amor de Deus!
Pense nisso!
Nele,
Caio

terça-feira, outubro 20, 2009

Redescobrindo o sentido da vida - Olavo de Carvalho


Na foto: Viktor Emil Frankl


Freud assegurava que, reduzido à privação extrema, o ser humano perderia sua casca de espiritualidade e poria à mostra sua verdadeira natureza, comportando-se como um bicho. Victor Emil Frankl, psiquiatra, judeu e austríaco como Freud, não acreditava nisso, mas não teve de inventar uma resposta ao colega: encontrou-a pronta no campo de concentração de Theresienstadt durante a II Guerra Mundial. Ali, reduzidos a condições de miséria e pavor que no conforto do seu gabinete vienense o pai da psicanálise nem teria podido imaginar, homens e mulheres habitualmente medíocres elevavam-se à dimensão de santos e heróis, mostrando-se capazes de extremos de generosidade e auto-sacrifício sem a esperança de outra recompensa senão a convicção de fazer o que era certo. A privação despia-os da máscara de egoísmo biológico de que os revestira uma moda cultural leviana, e trazia à tona a verdadeira natureza do ser humano: a capacidade de autotranscendência, o poder inesgotável de ir além do círculo de seus interesses vitais em busca de um sentido, de uma justificação moral da existência.

(...)

O que Frankl descobriu em Thesienstadt foi que além do desejo de prazer e da vontade de poder existe no homem uma força motivadora ainda mais intensa, a "vontade de sentido": a alma humana pode suportar tudo, exceto a falta de um significado para a vida. Ao contrário, dizia Frankl, "se você tem um porquê, então pode suportar todos os comos". A privação de sentido origina um tipo de neurose que Freud e Adler não haviam identificado, e que é a forma de sofrimento psíquico mais disseminada no mundo de hoje: a neurose noogênica, isto é, de causa espiritual, marcada pelo sentimento de absurdo e vacuidade.

quarta-feira, outubro 07, 2009

Sobre Propósito II



Li o seu texto sobre "Propósito" e não foi para mim nenhuma surpresa em regozijar-me com sua resposta.

Gostaria de lê-lo mais um pouco a cerca do assunto, então gostaria de comentar e perguntar:

É normal as pessoas entrarem em parafuso sobre o tal propósito, sinonimizando-o como direito obtido, uma vez que passamos a ser herdeiros em Cristo.

Então se começa a investigação frenética: “Preciso descobrir qual o propósito de Deus na minha vida”; “Se isso isto aconteceu, aconteceu porque Deus tem um plano nisso”; “Devemos buscar os melhores sonhos de Deus”; “Tal coisa não pode acontecer, porque Deus não permite que isso aconteça nos filhos Dele”; etecéteras.

A busca ao propósito ou sonhos de Deus é tão grande que automaticamente a fé deixa de ser o elo entre o Homem e Deus, pois uma vez que se tem um perímetro a galgar, um grau a alcançar ou algo a se obter através de técnicas, mentiras, propaganda enganosa e interesse individual, creio eu, que a fé é nula.

Deus sempre fala de fé, e fé que agrada a ele. Agora, como pode Deus ser o que muitos dizem por aí? Como pode agradar a Deus essa ganância religiosa? Por que muitos procuram encaixar Deus nas diversas manifestações da vida em nós (Deus tem haver como uma intervenção miraculosa na morte, no sofrimento ou na não intervenção)? Por que muitos querem encontrar justificativas para afirmar que Deus tem um plano especial e por isso fez alguém nascer cego e outro morrer tão precocemente? Todos têm como alvo uma miraculosa fatalidade? Por que muitos pensam que Deus tem que fazer o sol parar para todos os filhos dele? Se Deus “nada fizer”, é por que ele não tem plano nenhum?

De fato somos emburrecidos por nossa falta de entendimento.

Abraços e até a próxima!


Resposta:


Meu amado mano Moisés: Graça e Paz!

Sim! Em geral as pessoas procuram “propósitos” como alvos objetivos, os quais supostamente Deus tem que bancar.

Entretanto, quando vejo Jesus e Seus ensinos, em momento algum o vejo falando desse tal “propósito” como sendo qualquer coisa além de se viver o propósito de Deus para o homem, que é fazer do homem um homem.

Vejo as pessoas querendo um propósito-objetivo de Deus em suas vidas sem ao menos desejarem o propósito essencial, que é fazer um homem nascer no indivíduo-homem.

Assim, resumindo, digo:

O propósito de Deus é nos encher de amor e fé, mediante cujas realidades nasce em nós o Homem segundo Deus.

Nunca vi Jesus dizendo qualquer coisa objetiva sobre quem quer que seja. E quando fala a Pedro sobre o futuro, apenas diz que ele deve viver em amor [cuidando das ovelhas de Jesus] e sem se comparar a ninguém, pois, o caminho de cada um é um mistério e ser vivido em fé [João 21].

Desse modo o propósito de Deus é fazer surgir nesses meninos e meninas aquilo que Paulo chama de “o novo homem, que se renova no entendimento segundo Deus”.

O que passar disso é exercício de “cartomancia profética”, a qual os “cristãos” amam tanto quanto a amam os pagãos sem Deus e sem Evangelho como entendimento.

Nunca soube de nenhum propósito de Deus para mim além desse de me fazer um homem em Cristo.

O que vai acontecendo é o modo como Ele, o Tapeceiro do Amor, vai costurando aquilo que acontece a mim, se ando em amor.

Paulo mandou amar a Deus e viver sem medo, pois, é no amor de Deus que todas as coisas se explicam.

“Pois todas as coisas cooperam conjuntamente para o bem daqueles que amam a Deus, daqueles que andam segundo o Seu propósito”.

Desse modo, as coisas não são o propósito. O propósito se utiliza das coisas. As coisas são meios, mídias, instrumentos que Deus usa para forjar em nós o propósito. Este, porém, tanto existe como resposta nossa às coisas, como também se realiza na finalidade da resposta às coisas em amor, visto que o propósito é amar a Deus em tudo, posto que somente assim nasce o novo homem em nós.

Quem ama a Deus vive com propósito mesmo quando está na escuridão total!

O propósito é Cristo em nós a esperança da Glória!

Mais do que isto não se fala nada na Bíblia na qual leio.

Um beijo carinhoso!

Nele, que é o Propósito de nossa existência,

Caio



terça-feira, outubro 06, 2009

Sobre Propósito I



O que me leva nesta manhã escrever-lhe é uma busca de um conselho amigo e pastoral. Consciente de muitas coisas, sinto que estou vivendo um profundo esgotamento e/ou desapontamento emocional e espiritual. Não consigo me abrir com amigos e família. Por ter assumido durante muitos anos uma posição ministerial dentro da Igreja e, entre família, penso que não imaginam o que venho sentindo: uma profunda frustração com Deus. Entende?! Amanhã, vou almoçar com uma prima que está com sérios problemas no casamento. A família me pediu para que aconselhasse. Mas, só eu sei como estou... Hoje, vindo para o trabalho, chorei na condução. Ontem quando me deitava, chorava também. Pastor Caio, por que a gente vive a vida toda desejando coisas boas diante de Deus, coisas que não vão agredir a pessoa de Deus; desejos que vão tornar a vida mais sincronizada com Deus, e elas não acontecem? Por que a gente vive a vida toda atrás de um "Deus tem um propósito", e a vida acaba por ser viver a vida atrás desse "propósito", que nunca chega? Às vezes, tenho a leve impressão de que não adianta muito buscar a Deus na tentativa de ter Dele alguns sonhos para vida, porque a vida vai desenrolando e acontecendo num processo seletivo: com uns acontece, com outros não! Fica difícil Pastor Caio, externar esse sentimento entre amigos e família. Sempre estive pregando nos púlpitos, casas, aconselhando, orando por alguém, liderando igreja e grupos missionários... e hoje, me vejo nessa condição. Sei, e como sei, que Deus me ama ..., sei que na Cruz tudo se completou em mim. Mas pastor, não posso ignorar o que venho sentindo: uma frustração espiritual diante de Deus. Não são muitos que entenderiam esse meu sentimento.

Um abraço carinhoso.

Agradeço o espaço disponível.


Resposta:


Minha querida amiga em Cristo: O que detectei pode estar errado, mas é o que senti. Trata-se da famosa frase “Deus tem um propósito para a sua vida”. Sempre detestei essa frase. Prova disso é que você não vai achá-la nos meus escritos. Este site é uma boa demonstração disso. Clique em Pesquisa e busque essa frase. Você não a encontrará aqui. E por quê? Será que não acredito que Deus tenha um propósito para a minha vida? É claro que sei que Ele tem! O problema é que se eu souber qual é o propósito, já não ando em fé. Ando no propósito. E, o tal, propósito, para nós, pobres mortais, sempre é um programa, um projeto, uma conquista, um alvo, um cume a alcançar — e pior: o tal propósito é visto como algo “visível aos olhos”. Aí está o problema. O propósito de Deus é como o reino de Deus: não vem com visível aparência! Quando se manifesta, a gente vê — quando vê! Enquanto não se manifesta, a gente fica clamando pela vinda do propósito, e a vida perde seu propósito, que é existir em fé. Abraão saiu sem saber aonde ia. Mas foi. Nós ficamos esperando que o propósito se realize em nós, enquanto ficamos assentados em Ur dos Caldeus, frustrados, esperando que o propósito de Deus se manifeste como um tapete persa-mágico, e nos leve para o lugar do propósito. O próprio Abraão não viu muitas das promessas a ele feitas como coisas que se tenham materializado ante os seus olhos. Ele deu “adeus” para muitas promessas, e partiu. Depois de velho, partiu “para os seus pais” sem ter visto a concretização de muitas promessas. A questão é que o propósito de Deus não era dar um pedaço de terra a Abraão. A terra era a isca. O propósito era fazer dele Abraão, e não apenas Abrão. Abrão teria uma terra. Abraão seria o pai da fé, e sua descendência não se poderia contar. O que estou dizendo? Ora, todo ser humano tem que ter alvos e objetivos para poder levantar da cama. O problema é que a maioria dos “propósitos” aos quais nos sujeitamos são “tiranias” impostas por outros, pelos paradigmas de felicidade. E a maioria desses referenciais são coisas que vêem de fora. Podem vir do pai, da mãe, da sociedade, da igreja, de Hollywood, ou de nossa própria insegurança, que diz: Só serei alguém, ou só serei feliz, se conquistar tal e tais coisas... Aí o bicho pega, e gente morre de frustração. Veja bem, houve um tempo em minha vida em que eu pensei que poderia praticamente andar em qualquer direção e realizar qualquer propósito, meu ou de outros. Então veio Deus, e disse: Basta! E sabe, não há nada melhor do que viver sem saber de nada. Sei o que Deus me deu. Está em mim. Procuro usar esses “talentos e dons” da melhor maneira possível. Todavia, não me imponho mais qualquer forma de aferimento externo. Sei que a obra de Deus está sendo feita em mim. O que acontece fora de mim, não me concerne. E saiba: se eu morresse no “meu auge”, morreria muito frustrado. Mas se morresse hoje, partiria extremante realizado. Você pode entender isso? Será por que meus problemas todos estão resolvidos? Será por que não choro mais? Será por que já vi todo o bem que sonho ver na terra dos viventes? A resposta seria uma gargalhada, minha e para mim mesmo! Vivo com oceanos de problemas. Mas e de onde vem a realização? Vem da fé. Vem da confiança. Vem do conhecimento de Deus. Então, não sei quais os propósitos de muitas coisas, mas sei o propósito de todas as coisas: elas todas cooperam para o meu bem, pois, eu sei que amo a Deus! Então, ando sabendo de tudo enquanto não sei de quase nada. E mais: não tenho nenhuma referencia de ser-bem-sucedido fora de mim. Meu sucesso não é conquistar a cidade. Meu sucesso é um dia ver meu coração completamente pacificado no amor de Deus. E, aí, posso não ser nada para ninguém, mas sei que serei alguém em Deus. Nesse caso, pode haver uma multidão em meu funeral, como também pode não haver ninguém. Quem for ao meu funeral, saiba: ali jazerá um homem feliz, que viveu em muitas lágrimas, e não deixou de crer jamais no amor de Deus por ele. Afinal, foi ótimo já ter assistido ao meu funeral uma vez. É só depois de morrer que a gente está preparado para começar a viver. Então, acabam-se as tiranias externas de pai, mãe, amigos, igreja, opinião pública, etc... Morto não está nem aí pra isso. Ao morto somente uma coisa interessa: a Vida Eterna! Minha sugestão também é que você deixe de ser essa “super-crente”. Sua família tem que saber que você é só você, e mais ninguém. Seu nome não é Legião. E mais: mostre a todos que você pode ser uma grande consoladora, mesmo enquanto chora. Não há mistério! Foi isso que Paulo ensinou quando disse que poderia estar entristecido, mas sempre alegre; afligido, mas não destruído; nada tendo, mas enriquecendo a muitos! Se você descansar nessa confiança, saiba que o fruto dela será a libertação das tiranias das felicidades estereotipadas. Então, começa a vida. A sua vida. E, para ela, Deus tem o propósito. Não um propósito. O desejo Dele é nos fazer conforme a imagem de Seu Filho.

Um beijão, Caio


domingo, outubro 04, 2009

Culpa e Graça - Excertos II



Quando eu julgo alguém... Pelo meu julgamento eu o enredo em suas faltas, em vez de libertá-lo delas.

...
Esta é, ao menos, a reação de uma pessoa normal. Quem, sob o choque de uma censura, baixa imediatamente a bandeira e aceita sem discussão o veredito, parece ser doente. É atormentado por uma repressão do seu instinto de defesa. Sua conduta é de mau prenúncio. Um arrependimento muito fácil não é um arrependimento, mas uma capitulação. Seus contínuos pedidos de desculpa não trazem nenhum fruto vivo, porque são comandados por um mecanismo neurótico e não por um autêntico movimento do espírito.

...

Assim, a mais trágica conseqüência do julgamento que afloramos em alguém é a de lhe barrar o caminho da humilhação e da graça, pois precisamente o empurramos ao uso dos mecanismos de justificação de si mesmo. Em lugar de livrá-lo das suas faltas, fazemos com que ele as defenda. Para ele, nossa voz abafa a voz de deus. Nós o tornamos impermeável a esta voz divina que não escutamos senão no silêncio.

...
Se a verdadeira culpa é o que Deus censura em nós, o que eu posso fazer por um doente é ajudá-lo a se aproximar de Deus, a escutá-lo e não a esperar de minha boca um julgamento divino.

...
As censuras têm o efeito contrário em um homem são; desencadeiam um inexorável mecanismo de justificação de si mesmo, mesmo havendo intenções puras e a melhor boa vontade da parte de quem critica. Este mecanismo de defesa tem a precisão e a universalidade de uma lei da natureza. Ele se produz com tanta certeza quanto um cão mostra os dentes quando se sente ameaçado ou tanto quanto uma lebre corre quando mirada por uma espingarda. Agressividade ou fuga são as respostas imediatas e inevitáveis a todo julgamento. Todo julgamento é destruidor.

...

Os pais julgam a conduta dos filhos segundo a sua ótica de adulto, com toda a experiência de vida que eles têm e que os filhos não têm. Eles acusam um filho, por exemplo, de mentir, porque ele conta como verdadeiras as histórias que inventa. Eles insistem para que ele reconheça a sua culpa. Ora, esta criança não se sente culpada por isso, porque para ela o mundo do sonho é ainda tão real quanto o da realidade. A suspeita cria aquilo de que desconfia. Esta criança chegará, possivelmente, a ser mentirosa, por ter sido acusada, sem razão, de dizer mentiras.

...

O julgamento é sempre destruidor. Minha mulher dizia-me recentemente: "No fundo se trata de nos perguntarmos, não se o que dizemos sobre alguém tem base ou não, mas se é construtivo para ele".

Paul Tounier