terça-feira, outubro 06, 2009

Sobre Propósito I



O que me leva nesta manhã escrever-lhe é uma busca de um conselho amigo e pastoral. Consciente de muitas coisas, sinto que estou vivendo um profundo esgotamento e/ou desapontamento emocional e espiritual. Não consigo me abrir com amigos e família. Por ter assumido durante muitos anos uma posição ministerial dentro da Igreja e, entre família, penso que não imaginam o que venho sentindo: uma profunda frustração com Deus. Entende?! Amanhã, vou almoçar com uma prima que está com sérios problemas no casamento. A família me pediu para que aconselhasse. Mas, só eu sei como estou... Hoje, vindo para o trabalho, chorei na condução. Ontem quando me deitava, chorava também. Pastor Caio, por que a gente vive a vida toda desejando coisas boas diante de Deus, coisas que não vão agredir a pessoa de Deus; desejos que vão tornar a vida mais sincronizada com Deus, e elas não acontecem? Por que a gente vive a vida toda atrás de um "Deus tem um propósito", e a vida acaba por ser viver a vida atrás desse "propósito", que nunca chega? Às vezes, tenho a leve impressão de que não adianta muito buscar a Deus na tentativa de ter Dele alguns sonhos para vida, porque a vida vai desenrolando e acontecendo num processo seletivo: com uns acontece, com outros não! Fica difícil Pastor Caio, externar esse sentimento entre amigos e família. Sempre estive pregando nos púlpitos, casas, aconselhando, orando por alguém, liderando igreja e grupos missionários... e hoje, me vejo nessa condição. Sei, e como sei, que Deus me ama ..., sei que na Cruz tudo se completou em mim. Mas pastor, não posso ignorar o que venho sentindo: uma frustração espiritual diante de Deus. Não são muitos que entenderiam esse meu sentimento.

Um abraço carinhoso.

Agradeço o espaço disponível.


Resposta:


Minha querida amiga em Cristo: O que detectei pode estar errado, mas é o que senti. Trata-se da famosa frase “Deus tem um propósito para a sua vida”. Sempre detestei essa frase. Prova disso é que você não vai achá-la nos meus escritos. Este site é uma boa demonstração disso. Clique em Pesquisa e busque essa frase. Você não a encontrará aqui. E por quê? Será que não acredito que Deus tenha um propósito para a minha vida? É claro que sei que Ele tem! O problema é que se eu souber qual é o propósito, já não ando em fé. Ando no propósito. E, o tal, propósito, para nós, pobres mortais, sempre é um programa, um projeto, uma conquista, um alvo, um cume a alcançar — e pior: o tal propósito é visto como algo “visível aos olhos”. Aí está o problema. O propósito de Deus é como o reino de Deus: não vem com visível aparência! Quando se manifesta, a gente vê — quando vê! Enquanto não se manifesta, a gente fica clamando pela vinda do propósito, e a vida perde seu propósito, que é existir em fé. Abraão saiu sem saber aonde ia. Mas foi. Nós ficamos esperando que o propósito se realize em nós, enquanto ficamos assentados em Ur dos Caldeus, frustrados, esperando que o propósito de Deus se manifeste como um tapete persa-mágico, e nos leve para o lugar do propósito. O próprio Abraão não viu muitas das promessas a ele feitas como coisas que se tenham materializado ante os seus olhos. Ele deu “adeus” para muitas promessas, e partiu. Depois de velho, partiu “para os seus pais” sem ter visto a concretização de muitas promessas. A questão é que o propósito de Deus não era dar um pedaço de terra a Abraão. A terra era a isca. O propósito era fazer dele Abraão, e não apenas Abrão. Abrão teria uma terra. Abraão seria o pai da fé, e sua descendência não se poderia contar. O que estou dizendo? Ora, todo ser humano tem que ter alvos e objetivos para poder levantar da cama. O problema é que a maioria dos “propósitos” aos quais nos sujeitamos são “tiranias” impostas por outros, pelos paradigmas de felicidade. E a maioria desses referenciais são coisas que vêem de fora. Podem vir do pai, da mãe, da sociedade, da igreja, de Hollywood, ou de nossa própria insegurança, que diz: Só serei alguém, ou só serei feliz, se conquistar tal e tais coisas... Aí o bicho pega, e gente morre de frustração. Veja bem, houve um tempo em minha vida em que eu pensei que poderia praticamente andar em qualquer direção e realizar qualquer propósito, meu ou de outros. Então veio Deus, e disse: Basta! E sabe, não há nada melhor do que viver sem saber de nada. Sei o que Deus me deu. Está em mim. Procuro usar esses “talentos e dons” da melhor maneira possível. Todavia, não me imponho mais qualquer forma de aferimento externo. Sei que a obra de Deus está sendo feita em mim. O que acontece fora de mim, não me concerne. E saiba: se eu morresse no “meu auge”, morreria muito frustrado. Mas se morresse hoje, partiria extremante realizado. Você pode entender isso? Será por que meus problemas todos estão resolvidos? Será por que não choro mais? Será por que já vi todo o bem que sonho ver na terra dos viventes? A resposta seria uma gargalhada, minha e para mim mesmo! Vivo com oceanos de problemas. Mas e de onde vem a realização? Vem da fé. Vem da confiança. Vem do conhecimento de Deus. Então, não sei quais os propósitos de muitas coisas, mas sei o propósito de todas as coisas: elas todas cooperam para o meu bem, pois, eu sei que amo a Deus! Então, ando sabendo de tudo enquanto não sei de quase nada. E mais: não tenho nenhuma referencia de ser-bem-sucedido fora de mim. Meu sucesso não é conquistar a cidade. Meu sucesso é um dia ver meu coração completamente pacificado no amor de Deus. E, aí, posso não ser nada para ninguém, mas sei que serei alguém em Deus. Nesse caso, pode haver uma multidão em meu funeral, como também pode não haver ninguém. Quem for ao meu funeral, saiba: ali jazerá um homem feliz, que viveu em muitas lágrimas, e não deixou de crer jamais no amor de Deus por ele. Afinal, foi ótimo já ter assistido ao meu funeral uma vez. É só depois de morrer que a gente está preparado para começar a viver. Então, acabam-se as tiranias externas de pai, mãe, amigos, igreja, opinião pública, etc... Morto não está nem aí pra isso. Ao morto somente uma coisa interessa: a Vida Eterna! Minha sugestão também é que você deixe de ser essa “super-crente”. Sua família tem que saber que você é só você, e mais ninguém. Seu nome não é Legião. E mais: mostre a todos que você pode ser uma grande consoladora, mesmo enquanto chora. Não há mistério! Foi isso que Paulo ensinou quando disse que poderia estar entristecido, mas sempre alegre; afligido, mas não destruído; nada tendo, mas enriquecendo a muitos! Se você descansar nessa confiança, saiba que o fruto dela será a libertação das tiranias das felicidades estereotipadas. Então, começa a vida. A sua vida. E, para ela, Deus tem o propósito. Não um propósito. O desejo Dele é nos fazer conforme a imagem de Seu Filho.

Um beijão, Caio


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