domingo, outubro 04, 2009

Culpa e Graça - Excertos I




Quando eles julgam a conduta de alguém, todos os fazem com um tom peremptório que significa implicitamente que Deus julgaria exatamente como eles. Estão sempre tão fortemente convencidos de seu parecer sobre o bem e o mal que têm a impressão de que Deus mesmo se trairia se não partilhasse da opinião deles.

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Quando a criança mais tarde começar a exprimir outros gostos, outras opiniões, outros julgamentos morais, eles os combaterão com a mesma energia, como se, opondo-se aos julgamentos dos pais, a criança se opusesse também a Deus.

Com zelo e sinceridade, e com boa fé, eles condenam; procuram convencer a todos que esta condenação se confunde com a de Deus, que o que eles julgam como erro é mal aos olhos de Deus.

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Quanto mais nos importamos com a causa de Deus e do bem, e queremos ajudar os homens a servir-lhe e a ser-lhe submissos, mais somos pressionados a denunciar o mal e louvar o bem, a desmascarar os maus e render homenagens aos justos; em uma palavra, fazemo-nos como árbitros do bem e do mal. A Bíblia nos proíbe fazer isso, por uma estranha inversão de perspectiva.

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A própria consciência destas pessoas, que é prontamente tomada como a voz de Deus, revolta-se contra a nossa reserva e não se pode calar. Não há neutralidade diante do bem e do mal; é preciso julgar, falar, dizer o que é culpável e o que não é, sob pena de renegar a fé, a moral e a humanidade. E preciso denunciar o mal no próprio interesse daquele que o comete, para livrá-lo: "Deixa-me tirar o argueiro do teu olho..." (Mt 7:4).

É o próprio Jesus Cristo que diz estas palavras: "Não julgueis..." (Mt 7:1). Sem nos darmos conta, deformamos mentalmente esta ordem, como se Jesus tivesse dito: "Não julgueis ninguém injustamente". Ele disse: "Não julgueis". Ele não negou que houvesse um argueiro no olho do meu próximo, mas pediu para ocupar-me primeiramente com a trave que está no meu. Esta abdicação de todo espírito de julgamento nos é extremamente difícil, e nos parece uma submissão diante do mal.

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"Em 1880", escreve Jean Guitton,13 "poder-se-ia resumir os resultados da análise moral por esta fórmula: mesmo os culpados são inocentes. Em 1945, seria necessário inverter os termos: mesmo os inocentes são culpados... Nós estamos na época dos juízes."

Paul Tournier


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